Nessa semana, revi um querido amigo que fora morar na Europa há mais ou menos trinta anos. Marquei com ele numa sorveteria, pois sempre amamos tomar ice cream e filosofar juntos. Passamos horas a fio, matando a saudade e, como sempre, vieram à baila nossos assuntos preferidos: crenças, comportamentos, opiniões, a eterna impermanência da vida e outras loucuras. Perguntei a ele:
- Como está sua relação com Deus?
Detalhe: ele era um ateu convicto na aurora de nossas vidas e depois de um surto místico, já homem feito, alumbrou-se.
- Amiga, mudou tudo – respondeu-me. – Hoje o meu conceito de Deus é o seguinte: Ele é o Criador do mundo, está sempre perto de mim, me ajuda e quando minha esposa precisa, também a atende.
- Quando você evoca Deus, pensa que ele está onde? – Indaguei curiosa.
- Em TUDO. – Disse-me.
- Que tudo?
- O mar, o vento, fogo, tudo... Tudo.
- Sim, mas se Deus está no mar, ele também é o tsunami; se está no vento, é o furacão e se está no fogo, também é o incêndio.
- Pare, viu, Cisete! – Explodiu - Lá vem você com suas sandices. Para mim ele é tudo de bom. Essas desarmonias fazem parte do lado capeta da vida.
- Tudo bem. Posso lhe dizer sobre como hoje eu entendo e sinto Deus?
- Claro. Adoro te ouvir.
- Eu vejo e sinto uma força que está em tudo, uma energia que tudo permeia. A minha alma vibrou de alegria quando estudando Einstein, li o conceito dele sobre Deus: “O átomo é o trono do amor, é o trono que Deus escolheu para se fazer presente dentro e fora de nós”. Meu amigo, a energia criadora é que faz TUDO existir. Sem o átomo TUDO é NADA. Se dentro e fora de nós tem átomo, escolher o que chamamos de Bem ou de Mal é uma opção do Deus que você é e da Deusa que eu sou. Para mim, Deus é o mar tranquilo, mas é também o tsunami.
- Você está querendo me dizer que Deus quis causar o tsunami no Japão? Isso é um absurdo!
Como eu estava com “A Grande Síntese”, obra do pensador Pietro Ubaldi, na bolsa, e havia estudado um dia antes algo que poderia ampliar a ideia de Deus do meu amigo, peguei o livro e perguntei-lhe se poderia ler um trecho. Ele permitiu:
- “O grande hálito que move e vivifica a matéria cósmica é a alma, espírito, paixão, turbilhão. Não é apenas acrescentada a ela, mas funde-se com ela. Deus não é a potência exterior, mas reside no íntimo das coisas, na profundidade de cada ser e no íntimo, opera na essência”.
Ao erguer meus olhos, vi lágrimas rolando nas faces daquele homem terno e vulcânico. Sorri e o contemplei:
- Amiga – disse-me – o meu choro é de comoção pelo muito que você cresceu, porém é mais ainda por medo de não recuperar o tempo que perdi, vendo um Deus fora, personificado, limitado...
- Ei, pare com isso! Somos eternos e sempre é tempo de ter tempo.
Foi aí que ele se lembrou que havia um copinho com sorvete de nozes à sua frente e fez menção de tomar um bocado, mas teve uma engraçada surpresa:
- Ó paí Ó! Meu sorvete derreteu...